ARTIGO | Reforma da previdência: entre a benevolência e o direito

Senge Paraná
22.FEV.2017

Por Valter Fanini*

Em condições ideais de existência, temos dois períodos de nossas vidas em que não participamos diretamente da produção dos bens e serviços que consumimos: a infância e a velhice. Na infância, a responsabilidade da produção do que consumimos ficam com nossos pais, eles são obrigados a produzir um excedente além de suas necessidades próprias para nos sustentar. Na velhice, o que nos garante a sobrevivência é a renda poupada na fase adulta quando estamos no mercado de trabalho.

Tomando isto como verdade, temos dois caminhos para a nossa aposentadoria, a utilização de nossa poupança ou a dependência da benevolência de outrem, filhos, parentes ou terceiros piedosos. Qual das duas alternativas você escolheria? Duvido que em sã consciência alguém diga que preferiria a segunda à primeira.

Já a algum tempo, os estados nacionais tomaram para si o papel de organizar coletivamente os sistemas previdenciários de aposentadorias. Neste caso, o Estado captura uma parte da renda do trabalho via contribuições compulsórias de patrões e empregados para formar um fundo previdenciário. Da mesma forma que os indivíduos, o Estado também pode escolher um dos caminhos que mencionamos: ou investe a renda capturada e amplia o capital produtivo que garantirá a ampliação da renda nacional futura, ou torra a grana deixando os poupadores na dependência da benevolência dos que estiverem na fase produtiva.

Por incrível que pareça, o Estado brasileiro sempre escolheu o modelo irracional de previdência. Gastou e não investiu a poupança capturada dos trabalhadores.

O regime de fluxo de caixa do sistema previdenciário brasileiro, onde a contribuição dos que trabalham deve cobrir integralmente as aposentadorias dos trabalhadores, equivale à escolha individual de viver da benevolência dos outros. Neste caso, da benevolência compulsória de quem está em atividade e recolhe a contribuição previdenciária.

O modelo racional seria o regime de capitalização do fundo de pensão, onde os recursos capturados pelo sistema previdenciário são investidos na formação do capital nacional e o trabalhador em sua velhice se torna um acionista deste capital, vivendo da renda produzida pelo capital que gerou – empresas, infraestruturas, tecnologias, etc -, e não da extração compulsória da renda de quem permanece ativo.

Previdência privada e dívida pública

Diriam alguns de imediato que por isso sou a favor da previdência privada. Ledo engano. O que tem feito, sem exceção, os fundos privados de pensões? Aplicado maciçamente seus recursos em títulos da dívida pública, que são remunerados com juros extraídos do tesouro nacional – formado exclusivamente por impostos sobre a produção da renda nacional. Ou seja, previdência privada ou previdência pública estão todos pendurados na contribuição dos trabalhadores ativos, seja através da contribuição previdenciária ou de impostos.

Esta é a armadilha que nos enfiou a histórica irresponsabilidade da administração da poupança previdenciárias nacional. Como sair dela?

A saída anunciada pelo atual governo Temer, com a PEC 287, formulada pelas elites econômicas que mandam no governo, é aumentar tempo de contribuição e arrochar os proventos. Sob o ponto de vista contábil parece ser uma solução. Do ponto de vista econômico e social, não.

A maior oferta de mão de obra no mercado, não acompanhada do aumento do capital produtivo e da demanda efetiva, tende a criar uma legião de trabalhadores desempregados que pressionarão os salários para baixo, deprimindo a demanda e produzindo mais recessão econômica.

Sistema público

A saída racional é a de colocar o sistema previdenciário a favor da formação do capital produtivo nacional, transformando cada trabalhador em um acionista deste capital. Porém, isso jamais será cogitado pelo governo que aí está, porque exigiria a confissão da maioria das grandes mazelas nacionais por onde vazam as receitas públicas em direção ao capital não produtivo, a sonegação e aos privilégios de uma elite endinheirada na forma de privatizações dos ativos e dos serviços públicos, do pagamento de juros da divida pública, da regressividade do sistema tributário, dos benefícios fiscais, só para citar alguns dois mais importantes.

A garantia do sistema previdenciário público é dada pela totalidade da sociedade e vinculada ao desempenho da economia nacional como um todo, e não a determinado setor ou instituição financeira. Se bem administrado, o sistema público de previdência é o que apresenta os menores riscos e o que pode trazer os melhores benefícios individuais e coletivos. No entanto, sem controle social e entregue a sanha dos malfeitores que costumam habitar a política, jamais será administrado sob a ótica do interesse público.

Uma nova proposta previdenciária, que, além de garantir aposentadorias dignas, traga outros benefícios sociais e econômicos ao pais, não sairá nem dos governos que têm visão imediatista vinculado aos ciclos eleitorais e nem do setor financeiro, que tem foco nos lucros de curto prazo, mesmo que sejam as custas da falência e da extinção dos fundo que administram.

Desta forma caberá aos próprios trabalhadores a tarefa de propor à sociedade um novo modelo de Previdência Social, que seja integrado ao processo de formação do capital produtivo e não exclusivamente formador de dívidas de uma geração a serem pagas por outras. Neste processo as organizações sindicais têm o papel de principais protagonistas, não podendo continuar na posição passiva que tem se mantido até aqui.

*Valter Fanini é engenheiro civil, pós graduado em Administração Pública, mestre em Desenvolvimento Econômico e integrante da diretoria do Senge.

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