Artigo | Smart City Expo colocou em xeque a cidade inteligente e a gestão de Greca

Senge Paraná
26.MAR.2018

Por Luiz Calhau, engenheiro civil, integrante do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR) e mestrando em Planejamento Urbano pela UFPR; e Pedro Lanna, arquiteto e pesquisador de smart cities da UFPR.

No final de fevereiro, em quatro dias de aclamadas palestras, showrooms e workshops, presenciou-se em Curitiba o evento de origem espanhola chamado SmartCity Expo. Se todos os nomes em inglês te confundiram, não se preocupe. No fim das contas Curitiba continua a mesma: o discurso no futuro e a ação do passado. Nem os mais de 80 palestrantes de diversos países foram capazes de enfrentar questões tão gritantes das cidades brasileiras e que se encontravam expostas para qualquer um que andasse pela cidade para além das mediações do Parque Barigui.

Joel Rocha_SMCS

Foto: Joel Rocha/SMCS

Smart Cities pode ser traduzido do inglês “Cidades Inteligentes”, apesar de que “smart”, no português, está mais próximo da palavra “esperto” do que da palavra “inteligente”. E essa sutil diferença é mais simbólica do que parece. Por trás do nome bonito, o conceito de Smart Cities aborda o uso da tecnologia na solução de questões urbanas, principalmente dentro dos serviços de mobilidade, análises espaciais e uso do espaço. Utilizado pela primeira vez em 1992 no livro “The Technopolis Phenomenon: Smart Cities, Fast, Global Nerworks”, o conceito de Smart City populariza-se ao chamar de inteligentes as cidades que utilizam novas tecnologias para gerir seu espaço e seus serviços. As cidades que não utilizam a tecnologia são burras então?

Curitiba se insere neste cenário como anfitriã de um evento internacional de grande destaque. A grife de Barcelona, cidade celebrada pelas inovações no urbanismo e esteticamente elogiada por turistas do mundo todo, achou em Curitiba uma semelhança urbanística: cidade modelo, cidade ecológica, cidade sorriso. Mas como sabemos existem diversas cidades dentro de Curitiba. Se ao longos dos anos muitas pessoas questionaram o alcance da cidade modelo/ecológica/sorriso para seus habitantes e para além das fronteiras políticas com a região metropolitana, aqui questionamos: Cidades Inteligentes para quem?

De início já podemos dizer que há um limite espacial dentro das reflexões e devaneios das falas do evento. O Vale do Pinhão, espaço delimitado no bairro Rebouças para, segundo a prefeitura de Greca, criar um pólo de inovação e tecnologia sob uma forte ideologia do empreendedorismo individual, parece concentrar os esforços para a experiência “smart” em Curitiba. Além disso, quem participou do evento teve que desembolsar valores entre R$450,00 a R$1.500,00, o que em tempos de recessão, desemprego e arrocho salarial, significa uma barreira econômica para refletir a cidade inteligente. Assim, a Cidade Inteligente Curitiba já nasce atrofiada e elitista.

A ausência dos movimentos sociais urbanos no evento, que lutam por moradia digna, transporte urbano e infraestrutura para a população de Curitiba como um todo, passa uma mensagem simbólica: o poder de transformação da realidade urbana está nas mãos dos empreendedores e das parcerias público privadas e não nas mãos das pessoas e das comunidades. O empreendedorismo salvador está na figura das start-ups, empresas individuais que utilizam de uma ideia dita inovadora para se diferenciar no mercado. Inovação e empreendedorismo se conectam ao redor de uma ideologia da cidade inteligente: cidade dos novos patrões e das tecnologias que estes dispõem. As pessoas aqui estão limitadas a usuários de aplicativos de celular e serviços urbanos. O cidadão vai cada vez mais virando um usuário, consumidor. Outra ausência marcante foi o IPPUC, o que nos faz pensar até que ponto a prefeitura quer refletir sobre suas instituições e sua prática no urbanismo.

Ironicamente, durante a realização do evento à beira da beleza incontestável do Parque Barigui, um conflito se dava na realização de uma obra viária que comeu uma parte da Praça do Japão, em uma das áreas onde reside a classe média alta curitibana. A abertura de uma rua no canto da praça foi justificada pela prefeitura como área de manobra dos ônibus do corredor norte sul, Pinheirinho-Santa Cândida. Com isso a Prefeitura afirma que o corredor vai ganhar em eficiência e rapidez. Mas vale a pena refletir sobre o tema: será que o problema do transporte público curitibano é a falta de vias de circulação e manobra de ônibus? Nos parece que não. A cidade das canaletas de ônibus insiste em uma técnica não-tão-smart para agraciar os empresários de ônibus, técnica essa que está mais localizada nos confins dos anos 60 do que no futuro tecnológico que o evento barcelonesco promovia. Enquanto isso, soluções realmente inteligentes, inovadoras e modernas como a integração temporal na Praça Rui Barbosa, transposição da estação Eufrásio Correa e Estação Central, investimento em vias cicláveis, implantação do plano de calçadas, incentivo à infraestrutura intermodal, etc, parecem ser esquecidas ou negligenciadas pela prefeitura de Greca.

Enquanto isso, na cidade do biarticulado e da estação tubo, o evento “smart” falhou em propor como as tecnologias iriam resolver o problema do transporte público que deixou de ser modelo há tempos. Pelo contrário, no espaço da Expo Renault o transporte individual manteve o protagonismo com que atua nas ruas. As soluções apresentadas para a mobilidade curitibana resumiram-se aos carros elétricos e autônomos, como se o problema se resumisse a poluição e acidentes de trânsito, e como se o automóvel fosse uma opção viável a todos.

Se no discurso se propaga a ideologia do futuro, com tecnologias e parcerias transformando a cidade (sic), na prática Greca é incapaz de ver um palmo à sua frente. O prefeito não-tão-smart se apoia muito mais nas decisões políticas que beneficiam seus aliados e semelhantes empresários, o que remete à prática de sua primeira gestão nos anos 90, herança de seu mentor e predecessor Jaime Lerner. A Curitiba de Greca é mais uma Curitiba Esperta do que uma Curitiba Inteligente, neste ponto a palavra “smart” se adequa bem à cidade-anfitriã. Esperta no mau sentido, da esperteza próxima à malandragem, das pequenas corrupções como carteiradas e autoritarismo institucional. Cidade esperta na hora de beneficiar uma elite jurássica na cidade, de promover vantagens fiscais para milionárias igrejas e espaço planejado para a especulação imobiliária. Cidade esperta para fechar um acordo obscuro em volta da gestão do transporte público, acordo esse firmado dentro dos muros do Clube Curitibano ao apetite de filés mignons e batatas rústicas. Cidade esperta que melhora o sistema de transporte público para beneficiar os empresários do transporte, já a quase 50 anos lucrando com o serviço, que para o usuário piora e encarece a cada ano. Cidade esperta que promove a construção de prédios cada vez mais altos e cada vez mais luxuosos mas que nunca apresentou uma consistente política habitacional para as pessoas de baixa renda, nem nunca tentou resolver os problemas das ocupações irregulares ao longos dos rios da cidade.

E podemos listar mais um tanto de ações “malandras” de Curitiba ao longo dos anos, que evidenciam uma ideologia dominante na gestão urbana da capital paranaense. Esta ideologia prática deixa clara a existência de uma cidade modelo/ecológica/sorriso em determinados bairros e de uma cidade deformada/poluída/frustração em outros. Para estas partes da cidade, que não compartilham das maravilhas que é morar na Cidade Esperta de Curitiba, discutir aplicativo para celular e empreendedorismo de palco pode não solucionar os problemas cotidianos da população que lá reside.

Enquanto o debate nestes “inovadores” eventos envolver apenas uma elite e discutir os problemas que esta elite localiza, cada vez mais estaremos afirmando a Cidade Esperta no lugar da Cidade Inteligente, pois inteligência é promover a igualdade, a transparência e a justiça social a todos habitantes de Curitiba. Afinal de contas, não deveria ser esse o papel da prefeitura?

 

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