Defesa do direito à água mobiliza entidades e movimentos no Paraná

Senge Paraná
30.NOV.2017

Até chegar à torneira de cada residência, o percurso da água pode passar pela contaminação por agrotóxico, por interesses econômicos de hidrelétricas privadas, ou por esgoto sem tratamento. Estes e outros fatores colocam em risco o acesso à água como um direito, e geram estimativas de problemas hídricos para dois terços da população do mundo em 2025, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para defender o acesso à água como um direito, entidades e movimentos sociais do Brasil preparam o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), previsto para ocorrer em paralelo ao 8º Fórum Mundial da Água, em março de 2018. O evento oficial reunirá governo e grandes empresas privadas do ramo, com uma programação voltada à lógica mercantilizada de exploração dos recursos hídricos. Não à toa, o evento acontece no Brasil, país com maior fonte de água doce do mundo, com 12% do total.

No Paraná, o Comitê de mobilização do Fama foi lançado no mês de outubro, em Maringá. A audiência pública “Água é um direito, não mercadoria”, realizada na manhã desta quarta-feira (29) na Assembleia Legislativa do Paraná, está entre as ações de formação e preparação do Comitê acerca do tema.

O presidente do Senge Paraná, Carlos Bittencourt, participou da audiência e enalteceu a iniciativa, por servir como momento de formação e articulação em torno do tema: “Vemos aqui entidades religiosas, mandatos, sindicatos, movimentos, uma grande diversidade de setores da sociedade preocupadas em garantir a água como um direito, que é essencial à vida humana. Nós nos somamos a esse movimento e estaremos juntos na defesa da soberania hídrica paranaense brasileira”. Orlando Lisboa de Almeida, engenheiro agrônomo ex-diretor e atual associado do Senge, também participou do evento.

Alep

Foto: Noemi Froes/Alep

O evento contou com a presença dos deputados Tadeu Veneri (PT), Professor Lemos (PT), Péricles (PT) e Rasca Rodrigues (PV).

Um recurso natural em disputa

“O controle da água é necessário para a soberania dos povos. Se não lutarmos por isso, a Coca-cola, Danone, Pepsi, Nestlé dominaram tudo”, alertou Joseanair Hermes, assessora da Cáritas do Paraná, durante a audiência. A Cáritas é uma das entidades componentes do Comitê do Fama do Paraná.

A privatização dos recursos hídricos faz parte das medidas impostas pelo governo de Michel Temer (PMDB), e adotada por governos estaduais. “Privatizar a água prejudica principalmente a população mais pobre e os pequenos agricultores. As pessoas que não podem pagar pelo acesso elas ficam excluídas, assim como ocorre com outras mercadorias”, avaliou.

Dimas Floriani, professor e pesquisador do programa interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná, garante haver uma disputa de ordem econômica e geopolítica em torno do domínio da água. “Talvez, daqui 50 anos, o foco das disputas internacionais vai deixar de ser por petróleo para ser pela água”.

Ele chama a atenção para uma contradição: “Quase 30% da água doce do mundo estão na América Latina, porém, mais de 27% da população latino-americana e caribe não têm acesso à água potável e saneamento”.

Muita árvore e pouca água em Imbaú

O caso do município de Imbaú foi apresentado durante a audiência pública como exemplo dos efeitos negativos do agronegócio sobre a água. Em meados de 2004, o recurso natural que antes era abundante passou a ficar escasso em nascentes e rios. Moradores de 13 comunidades rurais do município começaram a sofrer a falta d’água.

Em 2011, uma pesquisa realizada por professores e estudantes do Instituto Federal do Paraná (IFPR) confirmou o que a população já sentia: o nível de água dos rios da região estava diminuindo. A pesquisa apontou que a redução da água estava relacionada ao monocultivo de eucalipto e pinus sobre os veios d’água, promovido em larga escala pela empresa Klabin. Conforme o estudo, cerca de 40% do território do município estava coberto pela produção industrial de árvores.

Os poços artesianos foram a alternativa encontrada pelo poder público local para sanar o problema. Mas a situação se agravou com o passar dos anos, conforme relatou Maristela Pelissaro, professora vereadora do município pelo Partido dos Trabalhadores: “Os primeiros cinco poços, cavados ainda em 2004, tinham entre 30 a 50 metros. O 14º poço, perfurado em 2016, só encontrou água a 350 metros de profundidade, em uma região próxima a um rio”.

A dificuldade no acesso a água levou parte da população rural, que era maioria dos 13 mil habitantes de Imbaú, a migrar para a área urbana. Com isso, houve o aumento na demanda pelo fornecimento de água via Sanepar. Sem vazão suficiente nos rios e com aumento da demanda por água na cidade, a Sanepar também utiliza um poço artesiano para abastecer a população.

Diante da torneira seca e dos prejuízos na lavoura e na criação de animais, os moradores decidiram criar o Movimento dos Atingidos pelo Deserto Verde, para reivindicar soluções para o problema. Ariolino Alves Moraes, conhecido como Chocolate, morador do assentamento Guaranaba e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), relembrou o que a população local viveu: “A fome e a sede, quando batem na nossa porta, fazem a gente se espernear, queira ou não queira. Foi o que aconteceu com o nosso município”.

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