Desmatamento ilegal e grilagem na Amazônia podem ser os principais responsáveis pela estiagem que afeta o Sul do Brasil

Seca atinge níveis preocupantes, deve prosseguir até o começo da primavera e poderia ter sido evitada por políticas públicas de conservação e proteção das florestas brasileiras

Foto: Gilson Abreu/ANPr
Comunicação
21.AGO.2020

Placas de trânsitos, carcaças de veículos, restos de bicicletas, plásticos, latas e pneus. A estiagem severa que afeta o Paraná deixou à vista alguns dos resíduos jogados ao longo dos anos na Represa do Passaúna, em Curitiba. Parte desse lixo, que estava submerso nas águas do rio, foi retirada no começo de maio pelo programa Amigo dos Rios, da Limpeza Pública, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. É a seca que aflige o estado nos lembrando também do desrespeito humano contra a natureza. 

Esse caso, porém, é a ponta de um grande iceberg do drama que assola o Paraná e toda a região Sul do Brasil. Para além da poluição física nos rios, a crise hídrica deixa milhares de pessoas sem água em plena época de pandemia – em que o recomendado é buscar higienizar-se constantemente. 

A escassez de chuva provoca perdas nas plantações, aumenta o risco de incêndios ambientais, causa assoreamento de rios e põe em xeque fauna e flora que precisam da água para sobreviver. O tempo seco aumenta, ainda, a concentração de poluentes na atmosfera, o que prejudica a saúde respiratória do ser humano. O baixo nível dos rios complica também a vida daqueles que sobrevivem da pesca. 

Essas são algumas das consequências da pior seca que atinge o Paraná dos últimos 40 anos. A Barragem do Passaúna, citada no começo da reportagem, faz parte do Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba (SAIC), responsável pelo abastecimento de mais de 3,3 milhões de pessoas dos municípios de Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos Pinhais. 

A estiagem severa dos últimos dez meses baixou o volume do Passaúna para menos da metade de sua capacidade, com aproximadamente 45%. Já os chamados “sistemas de captação isolados”, que dependem diretamente de poços e rios, estão com o abastecimento comprometido, o que levou a Sanepar a implantar rodízio em Curitiba e Região Metropolitana. A capital paranaense encara sua pior estiagem das últimas quatro décadas. 

A gravidade da situação fez o governo estadual decretar situação de emergência hídrica por 180 dias. A medida busca agilizar processos e evitar que a população possa ficar sem água por um longo período. O texto do decreto regulamenta e dá respaldo às empresas de água que atuam no estado para tomar medidas de racionamento, equilibrando a distribuição entre todos os consumidores e as regiões. Fica permitida a suspensão do abastecimento de água no rodízio por 24 horas, podendo levar até 12 para normalizar. Além da Sanepar, consórcios municipais e uma empresa privada prestam o serviço no Paraná.

A crise hídrica que afeta o Brasil deixa milhares de pessoas sem água durante a pandemia.
Crédito: Geraldo Bubniak

Um cenário nada animador 

Infelizmente, a situação não é nada animadora para os próximos meses. Estudos do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), divulgados na primeira semana de abril, apontam que o volume de chuvas no Paraná ficará abaixo da média normal em um período que pode variar de três a seis meses – ou seja, a seca pode persistir até o começo da primavera, em setembro.

Segundo Reinaldo Kneib, meteorologista do Simepar, a tendência é que os reservatórios de água sigam, dessa forma, abaixo do normal. Ele explica que o outono e o inverno são marcados por uma diminuição natural da quantidade e frequência de chuvas. E afirma, ainda, que as chuvas recentes não são suficientes para repor o nível dos reservatórios. “Não se espera que no próximo quadrimestre tenhamos uma recuperação dessa seca. Só se houvesse várias passagens de frentes frias e vários sistemas de chuva estacionassem no Paraná, provocando assim chuvas significativas por várias semanas seguidas. Mas a gente não está prevendo isso ao longo dos próximos três ou quatro meses. Assim, não vamos ter recuperação dos reservatórios”, lamenta Kneib. 

O meteorologista usa Curitiba como exemplo para dimensionar a queda do volume de chuva nos últimos meses. “Desde junho do ano passado até abril deste ano, Curitiba teve 746 milímetros de chuva acumulada. A média normal era 1.354 milímetros. Choveu o equivalente a apenas 55% do esperado”, relata. 

Represa Passaúna. Foto Gilson Abreu

Desmatamento na Amazônia pode ter relação com seca no Sul do Brasil 

O crescente desmatamento na Floresta Amazônica e a grilagem (posse ilegal e roubo de terras públicas) podem ser os principais motivos para a estiagem que assola a região Sul do Brasil. Segundo Reinado Kneib, meteorologista do Simepar, é preciso realizar estudos científicos a fim de entender melhor esses fenômenos de seca que assolam o estado. Todavia, uma das prováveis causas apontadas por ele é o desmatamento, em especial da região amazônica. “Uma grande porção de ar úmido que chega ao sul do país vem da Amazônia, e essa umidade não veio uniforme nos últimos meses. Ainda não temos estudos conclusivos para afirmar com toda a certeza que o desmatamento na Amazônia contribuiu para a diminuição da chuva. Mas que houve uma grande oscilação que alterou o equilíbrio do cenário, isso é fato”, aponta o pesquisador.

A expressão “rios voadores da Amazônia” foi criada para designar a enorme quantidade de água liberada pela Floresta Amazônica em forma de vapor d’água para a atmosfera, sendo transportada pelas correntes de ar, que chegam até a região Sul do Brasil. Parte dessa umidade é “rebatida” de volta para o interior do continente, abastecendo as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de outras localidades, como a bacia do Rio da Prata. Mas com o crescente desmatamento na região, essa umidade diminuiu significativamente, o que pode impactar o volume de chuvas em todo o Brasil. Os alertas de desmatamento na Floresta Amazônica cresceram 63,75% só em abril de 2020, se comparado ao mesmo mês do ano passado. 

O desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um novo recorde nos primeiros quatro meses do ano. Entre janeiro e abril, 1.202 quilômetros quadrados de floresta foram devastados, segundo dados baseados em imagens de satélite do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE). Isso significa um aumento de 55% em relação ao mesmo período do ano passado e é o número mais alto para o período de janeiro a abril desde 2016, quando as medições foram iniciadas.

Foto: Reprodução RPC

Políticas públicas poderiam ter evitado o pior 

Políticas públicas para enfrentar o desmatamento e o uso irregular do solo no Paraná, desenvolvimento de projetos visando à preservação das nascentes, recuperação das matas ciliares e criação de sistemas alternativos de captação da água da chuva. Se essas medidas tivessem sido tomadas antecipadamente pelo poder público, a falta de chuva no estado teria tido um impacto e um dano inferior aos da atual situação. 

Essa, inclusive, é uma das teses levantadas pelo deputado estadual Goura (PDT). Ele, que é presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Paraná, afirma que a estiagem não seria tão prejudicial “se tivéssemos políticas públicas efetivas de preservação ambiental”. 

Além disso, Goura elenca que o poder público deveria ter atuado nos últimos anos em ações de conscientização do uso da água e em fiscalização da utilização do recurso por grandes consumidores agrícolas e industriais. 

Goura contou, via assessoria de imprensa, que integrantes da equipe técnica do mandato fizeram uma vistoria, no fim do mês de abril, nos reservatórios do Iraí e do Passaúna, que fazem parte do sistema de abastecimento de água de Curitiba e Região Metropolitana. “O que se pode constatar nesses reservatórios é que eles estão em constante pressão por conta de diversas atividades. É um problema histórico”, disse.

Conforme menciona o deputado, a ocupação do solo nas bacias desses reservatórios está relacionada à agricultura, à construção de condomínios, às atividades de mineração e a outros fatores, como o despejo inadequado de efluentes. “A mata ciliar é inexistente em diversos trechos, o que prejudica ainda mais as áreas de drenagem”, completou. Segundo ele, a falta de chuva também é um agravante para vivermos o atual cenário, mas é preciso lembrar que a construção de infraestruturas de acúmulo de água, como essas do Iraí e do Passaúna, tem como objetivo atender a demanda de grandes concentrações populacionais para consumo e, depois, a demanda das atividades econômicas. “Esses reservatórios também foram planejados e são essenciais em períodos de escassez.” 

*Esta reportagem especial foi produzida pelo Jornal Justiça e Conservação, em sua edição número 5. Clique aqui e confira a íntegra.

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