Engenheiro Rubens Paiva é homenageado no 10º Consenge

Senge Paraná
28.AGO.2014

A exposição fotográfica “Rubens Paiva Presente!” apresentada no 10º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros é a homenagem dos profissionais de engenharia de 12 estados brasileiros ao engenheiro e parlamentar que foi símbolo de luta em favor da categoria, pela democracia e liberdade do povo brasileiro.

Durante a homenagem, Vera Paiva, professora da USP e filha de Rubens Paiva, agradeceu, emocionada, a reverência feita ao seu pai, assassinado em 1971 pela ditadura militar e que cujo corpo até hoje não foi encontrado.

“Em nome de minha família, minha mãe, irmãs, irmãos e seis netos venho agradecer do coração esta maravilhosa homenagem. Onde quer que ele esteja. Vocês acompanharam no jornal que não se sabem onde ele está. Mas não importa. A alma dele, alegre, feliz, bonachona, solidaria e trabalhadora deve estar feliz da vida com essa homenagem”, afirmou no evento de abertura do 10º Consenge, na noite desta quarta-feira, no auditório do Hotel Atlântico, em Búzios (RJ).

Vera Paiva recebe a homenagem das mãos dos presidentes da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt, e do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos. Foto: Adriana Medeiros.
Vera Paiva recebe a homenagem das mãos dos presidentes da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt, e do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos. Foto: Adriana Medeiros.

O Engenheiro – “Ele adorava ser engenheiro. Tinha profundo orgulho. Vocês estão nos ajudando”, frisou Vera Paiva. A afirmação de Vera se traduz na exposição em homenagem ao seu pai, que traz um busto de bronze e 18 painéis que remontam a história combativa de Rubens Paiva, trechos de cartas, mensagens e do discurso que fez como orador da turma, na solenidade de colação de grau da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, em 22 de dezembro de 1954:

“Engenharia é a arte de organizar e dirigir o trabalho do homem e utilizar os materiais e as energias da natureza em função do bem comum. Na obra do engenheiro, com as responsabilidades que lhe atribui aquela definição primeira sentimos que se diferencia, de forma inequívoca, a predominância dos valores eminentemente sociais e humanos. Difícil seria determinar a origem da atividade intensa que nos aguarda. Sabemos, entretanto, que para atender os reclamos da Pátria é preciso sentir os seus problemas. A pedra de toque de nossa vida econômica, a mola propulsora do nosso progresso pose, no momento se resumir num púnico anseio: mais energia. Energia que nos permita plantar as chaminés fumegantes de uma indústria pesada, energia que representa a elevação do padrão de vida dos nossos irmãos. Contribuindo para que rodem as novas turbinas e novos motores estaremos trabalhando diretamente para dar uma vida condigna ao povo brasileiro que não merece continuar abandonado à própria sorte”…

A declaração de amor à engenharia do então formando Rubens Paiva , se consolidou mais tarde no Congresso Nacional quando inspirou o então deputado, Almino Affonso a elaborar a principal lei dos engenheiros e das engenheiras, do Salário Mínimo Profissional (4.950-A).

A defesa da categoria feita por Rubens Paiva é até hoje o grande pleito dos engenheiros e engenheiras de todo o Brasil que contribuem diretamente para o desenvolvimento do nosso país.

Memória – A exposição fotográfica no Congresso de Engenheiros é uma singela homenagem e a primeira de uma série que a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e o Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-PR) farão ao longo deste ano. Na cerimônia de abertura do 10º Consenge, o presidente do Senge RJ, Olímpio Santos, anunciou que no próximo dia 12 de setembro, o busto de Rubens Paiva, será fixado na Praça Lamartine Babo, em frente a antiga sede do DOI-CODI, na capital Fluminense. “É para que nunca esqueçam do ato que fizeram”, afirmou Santos.

O presidente da Fisenge e do Senge-PR, Carlos Roberto Bittencourt, também destacou a iniciativa de resgatar a memória de Rubens Paiva. “Nos 50 anos dessa fase triste do Brasil, o Golpe Civil-Militar, quando muitos foram mortos e torturados, homenageamos este engenheiro e a sua família para que as atrocidades cometidas pela ditadura não sejam esquecidas”.

Sobre o resgate pelo governo federal da memória da verdade dos tempos da Ditadura no Brasil, Vera Paiva disse que considera importante, porém, tardia. “Todo mundo sabe que a memória verdade no Brasil aconteceu tardiamente. A gente não consegue de fato passar a página para refazer o Brasil em outros termos. Várias coisas foram reencarnando pra nós. Uma delas foi a voz dele, que fazia anos que não ouvia. Quarenta e quatro anos. Por conta do movimento da memória se recuperou uma fita da Rádio Nacional. São quatro minutos gravados em 31 de março de 1964. Ouvir a voz do nosso pai foi uma emoção inacreditável”, contou.

Apelo na Rádio Nacional – Na madrugada do dia 1º de abril de 1964 (com o Golpe Militar em andamento desde o dia anterior), Rubens Paiva, deputado federal por São Paulo, fez um apelo ao vivo pela Rádio Nacional em defesa da legalidade do presidente João Goulart.

O apelo do engenheiro Rubens Paiva, transcrito a seguir, 50 anos após o seu assassinato pela Ditadura Militar, reflete ainda hoje os anseios da maioria da população brasileira.

O engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado em 1971 pela ditadura militar, será homenageado hoje (27) no 10º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge). O evento que termina no sábado (30), e que se repete a cada três anos, tem por objetivo orientar a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) nos temas sociais e debater metas da engenharia nacional.

Leia a íntegra da transcrição da mensagem histórica de Rubens Paiva transmitida pela Rádio Nacional em 1º de abril de 1964

“Meus patrícios, me dirijo especialmente a todos os trabalhadores, a todos os estudantes e a todo o povo de São Paulo, tão infelicitado por este governo facista e golpista que neste momento vem traindo o seu mandato se pondo ao lado das forças de reação. Desejo conclamar todos os trabalhadores de São Paulo, todos os trabalhadores portuários e metalúrgicos da baixada santista, se Santos, da capital e das cidades industriais de São Paulo, em especial. A todos os universitários que se unam em torno dos seus órgãos representativos, obedecendo à palavra de ordem do Comando Geral dos Trabalhadores, do Fórum Sindical de Debates, dos sindicatos, da União Nacional dos Estudantes, das Uniões Estaduais e dos grêmios estudantis para que todos, em greve geral, deem a sua solidariedade integral à legalidade que ora representa o presidente João Goulart. O nosso presidente que, ao tomar medidas tão reclamadas por todo o nosso povo e que nos conduzirão indiscutivelmente à nossa emancipação política e econômica definitiva, realmente prejudicou os interesses de uma pequena minoria de nossa terra. Pequena minoria, entretanto, que detém um grande poder. Detém todo o poder econômico deste país, os órgãos de divulgação, os grandes jornais e as estações de televisão. É indispensável, portanto, que todo povo brasileiro esteja atento às palavras de ordem que emanarem daqui da Rádio Nacional e de todas as outras rádios integradas nesta cadeia da legalidade. Julgamos indispensável que todo o povo se mobilize tranquila e ordeiramente em defesa da legalidade, prestigiando a ação reformista do Presidente João Goulart que neste momento está com o seu governo empenhado em atender a todas as legítimas reivindicações do nosso povo. É indispensável que se processe de uma vez por todas a divisão da riqueza brasileira entre todos os seus habitantes. Não é possível que tenhamos marginalizados mais da metade dos habitantes deste país, mais da metade dos habitantes do Brasil, sem condições de trabalho, sem saber de manhã para que local se dirigir para ganhar o seu pão e alimentar a sua família. É uma estrutura de reforma, exatamente com as medidas preconizadas pelo governo federal que teremos condições realmente de integrar todos os brasileiros neste processo. Com isso lucram os trabalhadores, que terão melhores condições de emprego; com isso lucram os industriais, que terão a quem vender os seus produtos; com isso lucram os comerciantes e toda a população deste país. O que se diz que o governo pretende acabar com o direito de propriedade, estabelecer o confisco de tudo o que existe como propriedade privada é uma grande mentira, uma grande farsa. O que se pretende realmente, trabalhadores e estudantes de São Paulo, é tornar este governo incompatibilizado com a opinião pública sob uma onda de mentiras de uma imagem deformada. O Presidente João Goulart em suas reformas visa tão somente dar ao povo brasileiro uma participação na riqueza deste país. Este momento nacional é um momento decisivo em que o povo brasileiro pode ter a felicidade de ver realizada toda a sua revolução dentro do processo da legalidade democrática, prestigiando o Presidente da República e esta legalidade. É indispensável, entretanto, para isso, que o Presidente e o governo contem com toda a mobilização da opinião pública, com todos os trabalhadores, estudantes, intelectuais e o povo em geral, para que pacífica e ordeiramente digam um basta a esses golpistas que pretendem, cada vez mais, prestigiar a pequena minoria privilegiada. Está lançado inteiramente para todo o país o desafio: de um lado a maioria do povo brasileiro, desejando as reformas e desejando que a riqueza se distribua, ao lado da legalidade do Presidente João Goulart. Os outros são os golpistas que devem ser repelidos e desta vez definitivamente para que o nosso país veja realmente o momento da sua libertação raiar”.

Clique aqui e confira o áudio na íntegra

Sobre suas lembranças de infância junto ao pai, Vera Paiva destacou a dedicação de Rubens às obras que tocava. “Cheguei à exposição, vi aquele busto e abracei e beijei. Todos que vivem o desaparecimento, em algum momento congela. Porque fazer o luto é perder a esperança do desaparecido aparecer… Neste momento, a gente poder abraçar ele como engenheiro é recuperar a nossa vida. Recordar de quando ele nos levava para mostrar as obras da Pavuna… Batendo na parede e dizendo isso aqui é obra boa. Ele se dava bem com os peões e tinha orgulho de mostrar as pontes que fazia, um profundo orgulho. Esse senso pragmático e da noção de justiça social vinha também de ser engenheiro, e não só da posição ideológica.”

“Quero dizer que tenho certeza que muitos outros engenheiros têm histórias pra contar da ditadura. E que não deixem a figura do meu pai Rubens Paiva ser esquecida. Todo sofrimento daquele período vale e deve ser registrado. Essas coisas precisam ser apresentadas e recuperadas para que isso nunca mais se repita no nosso Brasil”, finalizou Vera Paiva.

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