Dia Internacional das Mulheres na Engenharia reforça busca por espaço e igualdade

Coletivo de Mulheres do Senge-PR conversou com engenheira sobre trajetória profissional, desafios da carreira e expectativas para o futuro

A engenheira civil Daniele Sagrado visita um canteiro de obras. Foto: Arquivo pessoal
Comunicação
23.JUN.2021

A “Igualdade de Gênero”, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a agenda 2030 defendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), não por acaso, é meta de grande parte dos países como forma de estimular a luta pela garantia da igualdade de direitos das mulheres em todos os âmbitos. Diante disso, é importante destacar a inserção da mulher no mercado de trabalho e a busca permanente por melhores condições. Para tanto, datas foram criadas para marcar as conquistas históricas (e ainda em construção) do gênero feminino, sobretudo, no que diz respeito à atuação em profissões que, até poucos anos atrás, eram executadas, majoritariamente, por homens. É o caso do Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, comemorado em 23 de junho.

Um levantamento feito em 2020 pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), apontou que haviam exatos 960.888 engenheiros registrados no órgão. Desses, apenas 18% eram mulheres, o equivalente a 174.236 registros. Ainda que o índice pareça baixo num primeiro momento, o órgão constatou um aumento de 42% na participação feminina entre os anos de 2016 e 2018. Cientes da importância desse avanço, a entidade deu início ao Programa Mulher do Sistema Confea/Crea e Mútua, um grande marco no processo de consolidação da política de Equidade de Gênero do Sistema em consonância com os ODSs. As engenharias mais procuradas para formação superior são a civil, elétrica, química, florestal, mecatrônica, produção, mecânica, naval, aeronáutica, agronômica e ambiental.

História e conquistas

Muitas pessoas desconhecem que a primeira mulher engenheira do Brasil ingressou na área apenas em 1940. Enedina Marques começou a atuar no Paraná como responsável pela construção da Usina Capivari-Cachoeira. Após essa obra, ela auxiliou no plano hidroelétrico do estado. Além do pioneirismo na profissão, teve de lutar contra o racismo e preconceito. Certamente, abriu caminhos para mulheres como Larissa Chionpato que, hoje, aos 32 anos, vem construindo uma trajetória de conquistas. “Desde muito pequena, já sonhava em ser engenheira. Nem sabia ao certo o que era a profissão, mas tinha a certeza de que era esse o caminho que queria seguir”, conta a engenheira eletricista, próxima de um desenho pendurado na parede que fez aos nove anos de idade, e que mostra uma figura feminina caracterizada de engenheira. O sonho se tornou realidade e, há sete anos, ela trabalha na área de Engenharia de Segurança do Trabalho no Grupo A.Yoshii (empresa paranaense do ramo de construção civil que compreende as construtoras A.Yoshii e Yticon).

Larissa Chionpato, engenheira eletricista

Larissa conta que, já ao ingressar na universidade, logo se deparou com uma realidade desafiadora: um curso majoritariamente masculino. “No total de 40 alunos, começamos em apenas três garotas. As outras duas acabaram desistindo logo no início e segui por alguns anos como a única aluna da turma”, lembra. Esse fato, porém, não a intimidou tampouco a desestimulou. “Sempre fui muito respeitada, mas isso não significa que foi fácil. Quando comecei a trabalhar na empresa, novamente aceitei o desafio em um meio majoritariamente ocupado por colaboradores homens. Mas, felizmente, isso vem mudando em pouco tempo. O fato real de que muito mais mulheres têm ocupado muito mais postos de trabalho, entendo que representa uma conquista.” Hoje, nas equipes das obras nas quais trabalha diretamente, existem jovens estagiárias de engenharia que buscam nela referências e orientações técnicas. “Quero encorajá-las a seguir adiante sempre.”

Aumento de contratações

Os dados de entidades ligadas ao setor são animadores, já que o número de engenheiras formadas cresce a cada ano. E o melhor: as empresas também têm acompanhado esse movimento. Para se ter uma ideia, desde 2015, o Grupo A.Yoshii aumentou a quantidade de engenheiras em 60% em seu quadro funcional, uma média de 10% ao ano em relação ao total de colaboradores da área. “Elas atuam em todas as áreas da engenharia: de projetos a execução, de segurança no trabalho ao relacionamento com cliente”, comenta o coordenador de Recrutamento e Seleção do grupo, Vitor Shiroma.

Essa é a primeira edição do programa e o objetivo dele é proporcionar aos jovens experiências únicas de aprendizado, já que participam de diversas atividades e passam por diferentes setores durante o contrato. No caso da engenheira civil Luciana Kaiser, ela foi a primeira estagiária da Yticon, em 2005, e a segunda engenheira contratada da construtora, em 2009. “Comecei atuando no setor de orçamento e depois fui para a assistência técnica. Quando tive a chance, pedi para iniciar no canteiro de obras e, desde então, trabalho diretamente na fase de construção do empreendimento com mestre de obras, encarregado, pedreiros e serventes. Chego a responder por uma equipe com cerca de 150 funcionários”, diz ela, que acaba de completar 12 anos de empresa.

O mesmo caminho tem seguido a engenheira civil Daniele Sagrado, que há sete anos trabalha no Grupo A.Yoshii. Hoje, atua como gestora da assistência técnica de empreendimentos residenciais e corporativos e é responsável pela gestão de equipes de obras distintas. “É tudo muito desafiador. Pode haver uma resistência inicial de alguns setores, mas sempre consegui mostrar que estou aqui para somar à equipe. Em pouco tempo, estabelecemos uma relação de confiança e credibilidade”, pontua ela, que acompanhou 28 obras do grupo desde que ingressou na empresa.

O Coletivo de Mulheres do Senge-PR conversou com a Daniele sobre sua trajetória profissional, desafios da carreira e expectativas para o futuro. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Como foi sua trajetória profissional até aqui?

Eu ingressei na faculdade de Engenharia muito nova e busquei muitas oportunidades de estágios para que eu pudesse ter uma ideia real de se aquele era o caminho correto, se eu tinha aptidão para aquilo, se eu gostava da área. É uma área predominantemente masculina, além da pouca idade, tive um pouco de dificuldade com relação a ser um mundo bem masculino. Eu faço estágios desde o primeiro ano de faculdade. Eu trabalhei em outras duas construtoras antes de ingressar no Grupo A.Yoshii. Aqui, entrei como estagiária e fui efetivada. Virei engenheira, supervisora, e agora faço a gestão de todo um departamento do grupo. Minha trajetória profissional foi muito gratificante. Eu acho que tive muita sorte, agarrei boas oportunidades para de fato me inserir, adquirir experiência, me desenvolver e atuar em várias áreas. Quando eu entrei na engenharia, as mulheres eram pouquíssimo presentes nos canteiros de obra. As poucas que atuavam na Engenharia estavam bem mais direcionadas para questões de escritório, seja projetista, ou na área de orçamento, planejamento. A minha ideia era que eu pudesse transitar em várias áreas, inclusive no canteiro, para conseguir entender qual era a vertente que eu gostava de atuar. E desde cedo eu entendi que gostava de uma performance mais dinâmica do que ficar no escritório ou em questões voltadas para a parte técnica-administrativa da profissão. Eu acho que tive bastante sorte de conseguir transitar em várias áreas durante a minha trajetória profissional e me encontrar em uma área que tem sido minha profissão pelos últimos 9 anos. Considero a minha trajetória profissional até agora, mesmo que ainda tenha muito para percorrer, muito satisfatória, e sou muito grata por ter conseguido me encontrar numa vertente da Engenharia que é bem dinâmica e que me identifico muito.

Daniele Sagrado, engenheira civil

Você recebeu incentivos na infância para buscar uma carreira na Engenharia?

Meus pais sempre me incentivaram muito nesta vertente profissional. A minha mãe tem várias faculdades, sempre trabalhou muito, então dentro de casa eu tive um incentivo muito grande para ter a minha independência. Tanto no estudo, em escolher uma faculdade que fizesse sentido pra mim, quanto batalhar para conquistar minhas coisas, minha independência financeira. Eu nunca nem pensei em não fazer uma faculdade, em não ter uma profissão. Eu sempre tive um incentivo muito grande da minha família, grandemente na figura da minha mãe, que é uma mulher muito independente também.

Quais desafios você enfrentou na sua carreira? Sentiu que algum deles veio por conta de ser mulher?

Eu acho que em alguns pontos, o problema tem um pouco da importância que você dá. É obvio que entrar em uma empresa de grande porte como a A.Yoshii, que é predominantemente masculina por conta do padrão que se enquadra em Engenharia, que é 70% homem, é desafiador. Mas eu vim de uma formação em que as mulheres eram apenas 10% da sala, então tive a minha formação profissional e técnica já com um círculo predominantemente masculino. É obvio que estas pressões de dedicação integral, de estar num ambiente masculino, é desafiador. A gente brinca que as engenheiras que atuam em canteiros são mais duras, mais rígidas, são muito brabas, mas talvez seja por conta do meio que a gente está inserida. A gente aprendeu a falar assim, a se portar de forma mais firme para que nós pudéssemos ter voz. Para a nossa voz chegar no mesmo lugar, ter o mesmo peso, a atitude tem que ser um pouco diferente para conseguir ter espaço. Na minha carreira em especial, não sinto que deixei de ter alguma oportunidade por ser mulher, talvez por eu estar inserida na empresa que eu estou. Mas cargos de liderança ainda são ocupados predominantemente por homens, então é um desafio. A gente não pode se intimidar.

Você tem algum role model? Alguma mulher que te inspirou pessoalmente ou profissionalmente?

Minha mãe é uma grande inspiração pra mim. Além dela estudar muito, dar conta da casa, dos três filhos, ela sempre trabalhou fora. Não que eu valorize mais ou menos, mas eu me inspirava muito nessa competência que ela tinha de sempre estar à frente do tempo com relação à carreira. Ela realmente foi uma grande inspiração. Depois que entrei no Grupo A.Yoshii, encontrei várias outras figuras profissionais muito fortes aqui dentro também, que me incentivaram muito no desenvolvimento profissional, tanto em conduta quanto no tratamento pessoal. Tem duas figuras aqui dentro do Grupo que fazem muito sentido pra mim como inspirações pessoais e profissionais. Uma delas é a dona Kimiko, que é uma das sócias fundadoras do Grupo A.Yoshii. A outra é a Engenheira Ivani, que é a gerente de obras de uma das vertentes do grupo Grupo A.Yoshii. Eu trabalhei com a Ivani como estagiária, e ela tem uma conduta pessoal exemplar. Foi uma mulher que me inspirou muito quando eu estava me formando como profissional.

Daniele e sua equipe

Você acredita a presença de uma mulher entre os fundadores da empresa tornou o ambiente profissional mais acolhedor para outras mulheres?

Acredito que sim. Ela [Kimiko Yoshii] sempre ressalta muito isso. A importância do papel feminino em algumas funções e como isso têm crescido, esse universo feminino dentro da Engenharia. Eu acho que a empresa abriu mais portas neste sentido, deu mais voz para as mulheres porque uma das grandes vozes da empresa é feminina.

Quais suas perspectivas para o futuro? Acredita que as mulheres podem aumentar sua participação na engenharia? Como isso poderia acontecer?

Já vejo as mulheres ocupando bem mais espaço hoje do que quando eu fiz a minha faculdade. A gente era 10% da turma e nem chegou a formar isso tudo. Hoje, os cursos chegam a ser 50/50. Tivemos épocas aqui na filial da empresa em que a gente tinha mais engenheiras do que engenheiros. São passos largos nessa igualdade. Para o futuro, eu penso que as mulheres precisam cada vez mais se apropriar desse espaço, entender que não é a sociedade que nos dá o lugar ou nos coloca em um lugar, nós temos que conquistar o lugar que a gente quer ou gostaria de atingir. Batalhar por este espaço. Sinto hoje gente mais engajada e mais disposta encarar este desafio, mas foi o que eu, lá atrás, pensei. Eu não queria me contentar em atuar numa vertente de projeto dentro de um escritório, mas também ter a possibilidade de ir para o canteiro. Busquei o que eu gostaria. Eu acho que a gente tem que estar mais disposta a encarar esse desafio, e vejo mulheres cada vez mais presentes em canteiros, de botina e tocando um canteiro com mais de 300 pessoas no efetivo. Para o futuro eu espero largo crescimento e eu gostaria muito, acho que é o próximo passo, além da presença feminina na Engenharia, a ocupação de mais cargos de liderança. Estarmos prontas e bem preparadas para ocupar esse espaço. Essa é a minha perspectiva para o futuro.

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