“Mulheres no BB não crescem porque escolhem não se arriscar”, discursa presidente do BB

COLETIVO DE MULHERES: "Ser mulher numa sociedade com forte machismo estrutural é um desafio diário"

Fabio Rodrigues Pozzebom - 22.jun.2021/Agência Brasil
Por Tereza Batista, mulher e trabalhadora

Em visita ao Cenop Palladium, o presidente do Banco do Brasil, Fausto Andrade Ribeiro, foi muito bem recebido pelos funcionários. Presentes, tanto o regalo quanto a presença de todos os colegas, não faltaram. Levou consigo uma acolhida que sequer é considerada habitual desse povo de Curitiba (sempre tão sério e fechado, não é mesmo!?), além de muitas selfies, muitos agradecimentos, realmente uma recepção “de primeira”.

Falou ao grupo lembrando das conquistas e, é claro, salientando os desafios futuros. É já esperado e compreensível que alguém com seu cargo concentre sua fala na estratégia da empresa e que busque inspirar e motivar seus funcionários. Mas é preciso que a sociedade entenda, de uma vez por todas, que inspiração e motivação, sem oportunidades reais, sem um “lugar ao sol”, sem que se considere as particularidades de cada grupo social dentro das atribuições que a própria sociedade lhes impõe, não passam de um engodo.

Ser mulher numa sociedade com forte machismo estrutural é um desafio diário. Várias são as companheiras na função de mãe solo e, mesmo aquelas que contam com um companheiro que, de fato, assume a posição de pai, são cobradas por essa estrutura patriarcal para serem a base principal de apoio e educação dos filhos.

Mudar de cidade envolve muito mais que vontade e garra, trata-se de abrir mão da rede de apoio que a mulher cria na comunidade em que vive, principalmente com familiares e amigos de longa data. Mas, para o presidente do banco, o que barra as mulheres de assumirem mais cargos de chefia no BB é o fato de elas “não arriscarem” e não se disporem à “mobilidade” necessária para tal.

Nas palavras dele, “não adianta falar em liderança feminina se quando vou olhar a concorrência para determinados lugares não há nomes de mulheres (…) vocês precisam arriscar, o banco dá oportunidade de mobilidade (…) é preciso que vocês se candidatem, senão vão ficar aglomeradas nas capitais”.

A simplificação e a negação de uma estrutura opressora são ferramentas historicamente utilizadas para manter o status quo e justificar a desigualdade social. Cria-se uma “regra” para ascensão que já se sabe de antemão que vai excluir certos indivíduos do páreo. Ninguém é ingênuo o suficiente para não perceber que é, sim, muito mais difícil para as mulheres se disponibilizarem a cargos que continuem exigindo que elas façam uma escolha entre carreira e família. E, convenhamos, se as mulheres fizessem essa escolha, corressem mais esse “risco” a que ele alude, a humanidade enfrentaria problemas ainda mais graves de demografia e de formação de cidadãos adequados ao mundo.

Um após outro, presidentes dessa empresa que é tão cara para nós, para a qual dedicamos diariamente nosso tempo e o melhor de nós, colocam-se como líderes na posição de guias, de paradigmas. Como podemos esperar que nossa sociedade evolua, que as crianças tenham a formação e o acompanhamento parental e social necessário para se tornarem cidadãos responsáveis e saudáveis física e psicologicamente, se pessoas com tamanho poder e influência na sociedade continuam repetindo esse discurso sexista que transmite a culpa às vítimas!?

Raríssimas são as mulheres que realmente têm condições de mudar de cidade, de “se arriscar”, porque o trabalho de cuidado de filhos e idosos ainda recai sobre elas, sobre nós. Simplesmente negar isso, desconsiderar o que é uma realidade inegável, não é a atitude que se espera de um líder.

E, para fechar o momento “jogando a cenoura na frente”, o presidente afirmou, depois do já gasto discurso meritocrático que joga todo o peso do resultado do banco na simples “vontade” e “boa auto-estima” dos funcionários, que a PLR será paga no dia seguinte à assinatura do acordo coletivo, dando inclusive uma previsão de data fixa para isso.

Mas os colegas sabem muito bem que a assinatura do acordo depende, mais do que qualquer coisa, de o banco ser razoável e atender às demandas mais do que justas da classe, relacionadas à remuneração condizente com esse belo trabalho que ele tanto elogiou e à melhoria nas condições de trabalho. Ou seja, mais um discurso que começa com agradecimento, mas que, em síntese, quer que os funcionários assumam todo o ônus do processo produtivo, até mesmo as condições adversas e dificuldades a que são expostos diariamente.

Fonte: Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba

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