Especial 50 anos do Salário Mínimo Profissional: lutas e conquistas da Engenharia

Senge Paraná
25.ABR.2016

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22 de abril de 1966. A data marcou a aprovação da lei 4.950-A, que prevê o Salário Mínimo Profissional (SMP) a engenheiros, arquitetos, médicos veterinários, químicos e agrônomos. No entanto, a aprovação da lei foi uma dura trajetória de luta e resistência. Isso porque os setores empresariais pressionaram fortemente para a rejeição do projeto de lei. No entanto, graças à mobilização das categorias e das entidades de classe, foi derrubado o veto do então presidente do regime militar, o marechal Humberto Castelo Branco. “Esse projeto teve, como é compreensível, uma resistência muito grande em determinados setores da Câmara, por conta dos grupos empresariais que acharam isso inaceitável”, afirmou o advogado e autor da lei, Almino Affonso, que, por conta do exílio político, não pôde acompanhar a tramitação do projeto. A Lei 4.950-A, de acordo com Almino Affonso, foi uma sugestão do engenheiro e político brasileiro Rubens Paiva.

Um trecho do veto integral do então presidente apontava: “seria uma interferência direta nos fatores condicionantes da lei da oferta e da procura, elevando, consequentemente, os custos de produção e atuando como fator inflacionário e marcante obstáculo à política de estabilização monetária desenvolvida pelo governo”. Estava clara a posição do regime militar em não se comprometer com a valorização dos trabalhadores. Todavia, as categorias e as entidades de classe pressionaram e mobilizaram suas bases e, em maio de 1966, o Congresso derrubou o veto presidencial. Mais tarde, em dezembro do mesmo ano, foi sancionada a lei 5.194 que prevê a regulamentação dos profissionais e, hoje, a data de sua regulamentação marca o Dia do Engenheiro, comemorado em 11 de dezembro.

O presidente da Fisenge, Clovis Nascimento, afirma que a Lei do SMP é fundamental em vários aspectos políticos e sociais. “A lei foi construída à revelia dos militares, tanto que o presidente vetou a lei e o veto foi derrubado dentro do Congresso Nacional. Este é um fato de uma importância política fantástica para a classe trabalhadora. Além de a lei estabelecer o salário mínimo dos engenheiros, representa um marco, pois conseguimos essa vitória dentro do processo político daquela época, que era completamente adverso e ditatorial”, disse Clovis.

Defesa do Salário Mínimo

A luta pelo cumprimento do Salário Mínimo Profissional é uma árdua trajetória de resistência e enfrentamento. Sindicatos de engenheiros e entidades de classe em todo o Brasil travam todos os dias mobilizações e disputas judiciais. Desde a sua implementação, o setor empresarial, além de descumprir a lei, promove uma série de fraudes trabalhistas, como a contratação de engenheiros como “analistas”.

Em 2009, a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, ajuizou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), questionando a conformidade da lei 4.950-A/66 com a Constituição de 1988. Os argumentos da ação afirmam que a regra não fora recepcionada pela Constituição, confrontando o inciso IV do artigo 7º da Constituição, dispositivo que veda a utilização do salário mínimo para indexação de qualquer fim. Com este ataque frontal, a Fisenge apresentou, em fevereiro de 2010, o “Amicus Curiae” (Amigos da Corte), um instrumento de democratização das decisões judiciais, pois permite que outra visão e fundamentos sobre o assunto sejam levados aos julgadores. De acordo com a advogada e assessora jurídica da Fisenge, Daniele Gabrich, do escritório Barenco & Gabrich, o “Amicus Curiae” é uma figura jurídica que permite, aos interessados, a apresentação de manifestações sobre o tema para contribuir para um julgamento mais democrático. “A participação é importante, pois a decisão tomada na ADPF possui efeito vinculante, ou seja, deve ser aplicada a todos os outros casos sobre o mesmo tema”, ela disse.

A Fisenge foi a primeira entidade, seguida do Senge-PR, a apresentar o “Amicus Curiae”, que foi deferido pelo STF. “Por si só, o deferimento do recurso da Fisenge e do Senge-PR, ocorrido no ano de 2013, três anos após a sua entrada, foi uma importante vitória na defesa do Salário Mínimo Profissional. Foi um marco na nossa luta pelo cumprimento da lei 4.950-A. Nossa luta em defesa dos profissionais de engenharia é permanente”, relembra o engenheiro agrônomo e atual presidente do Senge-PR, Carlos Roberto Bittencourt, presidente da Fisenge na época da apresentação do recurso.

No início de 2014, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, recebeu em audiência a Fisenge, em Brasília. A pauta discorreu sobre a constitucionalidade da lei 4.950-A/66 e as ADPFs 171 e 53. A Fisenge foi representada pelo então presidente do Senge-PR e atual diretor de negociação coletiva da Fisenge, Ulisses Kaniak. Um fato importante foi o caso dos radiologistas. Segundo a advogada Daniele, no precedente dos radiologistas, foi deferida medida cautelar para considerar inconstitucional a lei, mas sem pronúncia de nulidade, ou seja, mantendo a lei eficaz até que nova lei disponha a respeito.

Política de Valorização do Salário Mínimo

Em 2000, o salário mínimo era de R$151 e hoje, em 2016, é de R$880. A política de valorização do salário mínimo é uma conquista dos trabalhadores. Em 2004, mobilizações das Centrais Sindicais em todo o país com marchas a Brasília e uma forte campanha pressionaram o Executivo e o Legislativo pela aprovação da matéria. “A política de valorização do salário mínimo permitiu que milhares de pessoas saíssem da linha extrema da pobreza, gerou empregos e distribuiu renda. Além disso, fortaleceu a valorização de engenheiros e engenheiras por meio do aumento do salário mínimo”, destacou o presidente da Fisenge, Clovis Nascimento.

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De acordo com a nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicada em dezembro de 2015, a valorização do Salário Mínimo induz a ampliação do mercado consumidor interno e, em consequência, fortalece a economia brasileira. “Deve e precisa ter continuidade, sobretudo porque o país segue profunda e resistentemente desigual. A desigualdade de renda se manifesta de modo explícito tanto na comparação entre indivíduos e famílias quanto entre o trabalho e o capital. Ademais, a economia brasileira ainda é refém da armadilha de uma estrutura produtiva de baixos salários. Do ponto de vista do sistema produtivo, o desafio é fazer com que se reduza a desigualdade na distribuição funcional da renda (isto é, entre trabalho e capital) e na distribuição salarial, promovendo a transição para uma estrutura mais igualitária com um patamar de rendimento mais elevado na média. O Salário Mínimo, em um processo de elevação contínua e acelerada, deve ser considerado como um instrumento para buscar um patamar civilizatório de nível superior para o Brasil, atendendo aos anseios da maioria dos brasileiros”, aponta o documento.

A política de valorização do salário mínimo garantiu um aumento real (acima da inflação) de 76%, aumentando o poder de compra dos trabalhadores. Além disso, a política permitiu uma redução de 70% no coeficiente de Gini – índice que mede a desigualdade de renda no mercado de trabalho e indica menos desigualdade quanto mais próximo de zero.

Estatutários

“Não podemos pensar as nossas cidades sem a presença do engenheiro como protagonista do seu desenvolvimento”, afirmou Giucélia Figueiredo (Foto: Divulgação/Crea-PB)

Uma das grandes lutas é a extensão da lei do Salário Mínimo Profissional aos servidores públicos da Administração Direta da União, Estados e Municípios, que foram excluídos da aplicação. De acordo com a advogada Daniele Gabrich, o dispositivo que os incluía foi vetado e o Supremo Tribunal Federal entendeu que seria incompatível com a Constituição. “O Tribunal Superior do Trabalho, em reiterados julgados, também vem excluindo a aplicação da lei para os servidores públicos federais, estaduais e municipais, ainda que contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com base nos artigos 37, X, e 169, § 1º, da Constituição da República”, explicou Daniele. Há casos de engenheiros, contratados pelo Regime Estatutário, com salários de R$1.200, por exemplo.

Segundo a diretora da Fisenge e presidenta do Crea-PB, Giucélia Figueiredo, é fundamental a luta pela ampliação da lei aos estatutários. “Não podemos pensar as nossas cidades sem a presença do engenheiro como protagonista do seu desenvolvimento, passando pelos serviços relacionados à elaboração do projeto, execução, fiscalização. Por isso, o engenheiro deve ser bem remunerado”, disse.

Neste caso, de acordo com Daniele Gabrich, para incluir os servidores públicos da Administração Direta da União, Estados e Municípios na aplicação da lei do salário mínimo profissional dos engenheiros (piso salarial) teria que ocorrer alteração da Constituição (por Emenda Constitucional). Mas a atuação política das entidades de classe tem garantido a extensão da lei, especialmente na observância de edital e dotação orçamentária.

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