Precisamos preparar o futuro de forma coletiva e consciente

11 de dezembro: Dia da Engenheira e Engenheiro

Por Valter Fanini*

O Dia do Engenheiro/a é uma boa oportunidade para refletir e perguntar-nos: o que temos a comemorar por sermos engenheiros e engenheiras? Do ponto de vista da trajetória da humanidade, podemos dizer que os engenheiros e engenheiras devem comemorar o fato de serem os responsáveis pela construção de toda a infraestrutura sobre a qual se assenta a civilização? Foi a faculdade humana de ‘engenhar’ que permitiu a construção da primeira enxada, formada por uma pedra lascada e um galho de árvore que usamos para lavrar a terra, lançar ali uma semente e ver germinar uma planta. Assim como  é fruto da engenhosidade humana a construção do robô de exploração que enviamos para o planeta Marte. Desse ponto de vista o dia de hoje, 11 de dezembro, seria uma data a ser comemorada por toda a humanidade, afinal a engenharia levou o homo sapiens  a sair da condição de nômade caçador e coletor, que vivia em condições que pouco o diferenciava das demais espécies de mamíferos, à condição de criatura que reina soberanamente sobre todo o Planeta Terra.

Indo para os dias de hoje e lançando um olhar sobre a atual conjuntura vivida pela engenharia e pelas engenheiras e engenheiros no Brasil, será que temos o que comemorar nesta data? Cremos que ainda devemos  comemorar e nos orgulhar do papel que cabe aos profissionais da engenharia, geociência e agronomia no enfrentamento dos desafios que o Brasil vivencia neste momento de sua história. No entanto, podemos dizer que também estamos num estado de muita apreensão com os retrocessos  econômicos e institucionais vividos em nosso passado recente com enormes repercussões na engenharia e no emprego da classe.

50 anos de ouro

Do ponto de vista profissional, os engenheiros e a engenharia viveram no Brasil por um período de 50 anos, situados entre as décadas de 1930 e 1980, sua época áurea. Nesse período vigorou um modelo de desenvolvimento que tinha como meta principal substituição das importações de manufaturas pela produção interna num processo majoritariamente conduzido pelo Estado, tanto na formação de Capital industrial como na criação de infraestrutura de transporte.

Esse modelo econômico, chamado de Desenvolvimentista, encerrou-se no início dos anos 1980 não por falta de consistência em seus fundamentos econômicos internos, mas sim por fatores externos decorrentes da segunda crise do Petróleo e do repentino e estratosférico aumento das taxas internacionais dos juros. O Brasil perdeu, na época, os dois principais pilares do seu motor econômico: a base energética fundamentada no petróleo importado e o financiamento de seu déficit nas contas externas.

Uma engenharia nacional forte

Vivemos entre o início dos anos 1980 e o começo deste século um período de estagnação econômica  com profunda repercussão na engenharia e na vida dos engenheiros brasileiros que se revelaram pela queda do prestígio profissional e pela  decadência salarial. Finalmente, no início dos anos 2000 por uma série de circunstâncias externas que favoreceram o equilíbrio do balanço de pagamentos com o exterior e pelo extraordinário avanço do Brasil na construção de uma nova matriz energética, com a Petrobrás a frente, nos livramos da dependência do petróleo importado e da necessidade de financiamento do déficit nas contas externas. 

O Brasil retomou no início desse  século um novo ciclo de crescimento tendo novamente o Estado como ator central, dessa vez atuando num primeiro momento  no aumento da massa salarial e em programas sociais de distribuição de renda e, num segundo momento, no aumento dos investimentos públicos. Essas duas políticas associadas atuaram fortemente pelo aumento da demanda agregada, que foi acompanhada pelo aumento da oferta agregada em todos os setores da economia num movimento de crescimento econômico tipicamente Keynesiano que na época se chamou de neodesenvolvimentismo.

Nesse novo período de crescimento econômico vimos a engenharia brasileira e os profissionais de engenharia serem valorizados novamente numa clara demonstração do quanto a engenharia e os engenheiros/as são dependentes da taxa de crescimento do PIB.

A divisão e perda do protagonismo

O encerramento desse novo ciclo de prosperidade no Brasil não se deu dessa vez por fatores externos como o ocorrido nos anos 1980 do século passado, mas surge como consequência de uma crise política derivada do confronto entre duas visões econômicas bastante distintas. De  um lado uma centro esquerda representada majoritariamente pelo Partido dos Trabalhadores de base populares que pretendia a continuidade das política econômica que tem o Estado como um importante protagonista e, de outro lado, uma direita convencida dos estatutos econômico neoliberais, já em decadência no mundo todo, que apostava firmemente que o enfraquecimento do Estado contém, em si, a solução, para todos os problemas brasileiros.

Esse confronto entre as forças de centro esquerda que contava  com o apoio quase único dos movimentos populares, que a época se revelaram enfraquecidos, e uma direita que contou com o poderio dos representantes de todos os setores econômicos e financeiros, a maior parte da imprensa e segmentos do judiciário e Ministério Público, teve como desfecho o afastamento da presidente da República e a inauguração de um novo período de instabilidade política e econômica no país com graves repercussões sobre a engenharia e os engenheiros no Brasil 

Projeto de enfraquecimento do conhecimento nacional

As forças de direita que chegaram ao poder pela derrubada de uma presidente de centro esquerda não galgaram sucesso com suas políticas públicas assentadas no receituário neoliberal, fracassaram e foram suplantadas por uma extrema direita protofacista que aposta não somente só no enfraquecimento do protagonismo  do Estado como agente econômico mas na destruição do Estado Democrático de Direito e sua substituição supor uma ditadura tirânica. 

O retorno  do Partido dos Trabalhadores à presidência da república não significa a volta de um novo ciclo de desenvolvimento como o vivido na primeira década e meia desse século. O atual governo tenta reconstruir as bases de uma nova política econômica sem ter maioria no Congresso e sem controle do Banco Central. Sujeito a todo tipo de chantagem de um parlamento majoritariamente fisiológico e sob o fogo de um processo de desinformação promovido pela extrema direita, as chances de sucumbir são grandes.

A construção e resistência coletiva

Portanto, vamos aproveitar o Dia do Engenheiro/a para comemorar e também  tomarmos consciência de que o nosso sucesso profissional não depende somente de nosso esforço de formação técnica. Não basta sermos bons engenheiras engenheiros se vivermos num ambiente econômico degradado. Para mudar, temos que ter engajamento político, temos que nos associar as visões mundo que percebem que as forma de construções coletivas são mais seguras, que o individualismo exacerbado não pode ser o fundamento da organização de uma sociedade. 

Cientes de que o Brasil nunca  teve um ciclo de desenvolvimento sem um forte protagonismo do Estado, seria absolutamente irracional para nós que temos nossas profissões assentadas na racionalidade, nos associarmos a formas de pensamento político que negam a importância do setor público como importante agente no processo de desenvolvimento econômico do país, isso  significaria tramar contra os nossos próprios interesses.

*Valter Fanini é ex-presidente do Senge-PR. Engenheiro Civil especializado em economia. Aposentado, fez carreira no serviço público estadual, gerenciando fundos de investimentos na área de transportes.

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