A importância do diálogo em períodos de ideias e comportamentos extremos

A melhor saída para crise é o diálogo

Foto: Marcos Corrêa/PR
Comunicação
02.DEZ.2020

Por Fernando N. Patrício

Os últimos anos da humanidade, da sociedade e da política brasileira ou mundial foram marcados pelo confronto entre lados extremos. As redes sociais, as fake news e a falta de filtros por parte dos veículos de comunicação deu visibilidade e abrangência para discursos e ações violentas.

Por outro lado, lentamente, a sociedade vem buscando amenizar as polarizações políticas, econômicas, religiosas e sociais. Diferentemente de não se ater aos problemas, a Comunicação Não Violenta pode se destacar neste papel de mediação entre indivíduos e instituições. É para essa temática que o engenheiro Fernando N. Patrício propõe dar mais visibilidade. Para soluções que não buscam a verdade soberana, mas a construção baseada no amor, respeito, compreensão, gratidão, compaixão e preocupação com o próximo. A questão é como utilizar-se dessas “ferramentas” para o interesse público e coletivo.

CONFIRA:

O presente artigo, baseado no livro de Marshall B. Rosenberg, tem por objetivo retomar a mediação e a arbitragem no SENGE-PR, trazidas para o nosso Sindicado pelo saudoso Engº Daniel, que foi um grande incentivador do uso da mediação e arbitragem para solução de conflitos nas atividades da engenharia, em particular e na sociedade como um todo.

Rosenberg foi um psicólogo americano (1934 – 2015) que, no começo dos anos sessenta, em sintonia com os movimentos dos direitos civis americanos, desenvolveu técnicas de Comunicação Não Violenta (CNV), servindo de guia para a resolução de conflitos em mais de 65 países.

Rosenberg viajava para mediar conflitos e levar programas de paz a regiões assoladas por guerras como Sérvia; Croácia e Ruanda, mas o interessante é notar que sua estratégia serve também para apaziguar os combates verbais do nosso dia a dia.

É na maneira como falamos e ouvimos os outros que está a causa para os problemas das desavenças e discórdias. A pesquisa de Rosenberg tornou a CNV um processo que facilita uma comunicação interpessoal mais intensa e cultiva o reconhecimento mútuo de necessidades afetivas, levando a uma maior compaixão e à solução pacífica de conflitos.

Rosenberg trabalhou próximo a ativistas dos direitos civis nos anos 1960, mediando conflitos entre estudantes em protesto e a administração das universidades, buscando a dessegregação pacífica de escolas públicas em regiões de longa tradição segregacionista.

Promoveu oficinas de CNV e treinamentos intensivos internacionais para milhares de pessoas, em mais de 60 países. Rosenberg era apaixonado por seu trabalho e viajava para áreas devastadas pela guerra e para países com má situação econômica, oferecendo treinamento em CNV para promover a reconciliação e a solução pacífica das diferenças.

Nos países onde há muita desigualdade social, a violência é maior do que nos países com menor desigualdade social, portanto, não devemos ser demasiadamente gananciosos se quisermos diminuir a violência em nossa sociedade. (Arun Gandhi)

O avô de Arun (Mohandas Karamchand Gandhi) ensinava que a profundidade e a amplitude da não-violência é reconhecer que somos todos violentos e precisamos efetuar uma mudança qualitativa em nossas atitudes.

Foto: Alexas_Fotos

Presumimos que não somos violentos porque nossa visão da violência é aquela de brigar, matar, espancar e guerrear, o tipo de coisa que os indivíduos comuns não fazem.

– Violência “física” – é a violência em que se emprega a força física.

– Violência “passiva” – é a violência em que o sofrimento é de natureza emocional.

É a violência passiva que alimenta a fornalha da violência física.

Por não compreender ou analisar esse conceito, todos os esforços pela paz não frutificam, ou alcançam apenas uma paz temporária.

A menos que “nos tornemos a mudança que desejamos ver acontecer no mundo”, nenhuma mudança jamais acontecerá. Infelizmente, estamos todos esperando que os outros mudem primeiro.

Tudo que fazemos é condicionado por motivações egoístas – “Que vantagem eu levo nisso?”. E essa constatação se revela ainda mais verdadeira numa sociedade esmagadoramente materialista, que prospera com base no individualismo.

Não basta que nos tornemos uma superpotência econômica e militar [Rosenberg se refere aos Estados Unidos, sua terra natal, onde vivenciou o período da guerra fria], construindo um arsenal que possa destruir várias vezes este mundo; não é suficiente para subjugar o resto do mundo, porque não se pode construir a paz sob os alicerces do medo.

A não-violência significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor, respeito, compreensão, gratidão, compaixão e preocupação com o próximo. Em vez de sermos dominados pelas atitudes egocêntricas, egoístas, gananciosas, odientas, preconceituosas, suspeitosas e agressivas, que costumam dominar nosso pensamento. É comum ouvirmos as pessoas dizerem: “este é um mundo cruel, e, se a gente quer sobreviver, também tem de ser cruel”.

Se mudarmos a nós mesmos, poderemos mudar o mundo, e essa mudança começará por nossa linguagem e nossos métodos de comunicação. É um primeiro passo para um mundo mais compassivo.

“Palavras podem ser janelas ou paredes. Elas podem nos condenar ou nos libertar.” (Ruth Bebermeyer)

A Comunicação Não Violenta nos ajuda a nos ligarmos uns ao outros e a nós mesmos, possibilitando que nossa compaixão natural floresça com base na vontade de ajudar o próximo. Ela nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros.

Quatro etapas de comunicação:

1) O que observamos;

2) O que sentimos;

3) O que necessitamos;

4) O que pedimos para enriquecer nossa vida.

A CNV não é uma linguagem, nem um conjunto de técnicas para usar as palavras. A consciência e a intenção que a CNV abrange podem muito bem se expressar pelo silêncio, pela expressão facial e pela linguagem corporal. Momentos de empatia silenciosa, narrativas, humor, gestos, contribuem para que se estabeleça entre as duas partes uma conexão mais natural.

“Não julgueis, para que não sejais julgados.” (Mateus 7, 1.)

É muito comum uma pessoa julgar o procedimento de outra (ou de outras), tanto das pessoas que são próximas, quanto das que são distantes. Infelizmente é comum as pessoas julgarem pessoas de sua família ou de outras famílias, tanto assim que existem inúmeros sites, programas no rádio e na TV só para falarem mal de outras pessoas.

É de a nossa natureza gostarmos de dar e receber com ternura, com vontade de ajudar (compaixão). Entretanto, aprendemos muitas formas de “comunicação alienante da vida” que nos levam a falar e a nos comportar de maneiras que ferem aos outros e a nós mesmos.

Uma forma de comunicação alienante da vida é o uso de julgamentos moralizadores que implica agir em consonância com nossos valores, e que estão errados ou são maus.

Outra forma desse tipo de comunicação é fazer comparações, que são capazes de bloquear a compaixão tanto pelos outros quanto por nós mesmos.

A comunicação alienante da vida também prejudica nossa compreensão de que cada um de nós é responsável por nossos próprios pensamentos, sentimentos e atos.

Comunicar nossos desejos na forma de exigências é ainda outra característica da linguagem que bloqueia a compaixão.

Exemplos de comunicação alienante da vida:

– O seu problema é ser egoísta demais;

– Ele é preguiçoso;

– Eles são preconceituosos;

– Isso é impróprio.

Culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação e diagnósticos são todas formas de julgamento.

Exemplo de comunicação violenta:

Se alguém me fechada no trânsito, minha reação é gritar “palhaço!”. Quando usamos tal linguagem, pensamos e nos comunicamos em termos do que há de errado com os outros para se comportarem desta ou daquela maneira.

É importante não confundir juízo de valor com julgamentos moralizadores. Todos fazem juízo de valor sobre as qualidades que admiramos na vida, por exemplo: valorizar a honestidade, a liberdade, a paz. O juízo de valor reflete o que acreditamos ser melhor para a vida.

Fazemos julgamentos moralizadores de pessoas e comportamentos que estão em desacordo com nosso juízo de valor; por exemplo: “a violência é ruim, logo pessoas que matam outras são más”.

Ao invés de dizer que a violência é ruim, poderíamos dizer: “tenho medo do uso da violência para resolver conflitos, valorizo a resolução de conflitos por outros meios”.

Em 75% dos programas de TV, o herói ou mata pessoas ou as espanca. Tal violência costuma constituir o “clímax” do espetáculo. Os telespectadores (a quem se ensinou que os maus merecem castigo) sentem prazer em ver essa violência.

Rejeitamos responsabilidade por nossos atos quando os atribuímos a:

– Forças vagas e impessoais – Ex.: Limpei meu quarto porque tive de fazê-lo;

– Nossa condição, diagnóstico, histórico pessoal ou psicológico (vícios, álcool, fumo);

– Ações dos outros – Ex.: Bati no meu filho porque ele correu pra rua;

– Ordens de autoridades – Ex.: Menti para o cliente porque o chefe mandou;

– Pressão do grupo – Ex.: Comecei a fumar porque todos os meus amigos fumavam;

– Políticas, regras e regulamentos institucionais – Ex.: Tenho de suspender você por conta dessa infração, é a política da escola;

– Papéis determinados pelo sexo, idade e posição social – Ex.: Detesto ir trabalhar, mas vou porque sou pai de família;

– Impulsos incontroláveis – Ex.: Fui tomado por um desejo de comer aquele doce.

Se algum dia a nossa espécie desaparecer da Terra, não será pela crueldade, nem a indignação que a crueldade desperta, nem as represálias e vinganças que ela atrai. Mas sim, pela falta de responsabilidade do homem moderno, sua desprezível aceitação subserviente, obediente e dócil.

A comunicação alienante da vida também se associa ao conceito de que certos atos merecem recompensa e outros, punição. Tal forma de pensar se expressa pelo verbo “MERECER”, por exemplo: “João merece ser punido pelo que fez”.

Acredito ser do interesse de todos que as pessoas mudem não para evitarem punições, mas por perceberem que a mudança às beneficiará.

Tais visões dão ênfase a nossa maldade e nossas falhas inatas, bem como a necessidade de educar para controlar nossa natureza inerentemente indesejável.

Quando uma população se encontra controlada por um número pequeno de indivíduos, para o benefício desses últimos, é do interesse dos reis, nobre, ditadores, que as massas sejam educadas de forma tal que a mentalidade delas se torne semelhante à de escravos. A linguagem do “ERRADO”, o “DEVERIA” e o “TENHO DE”, é perfeitamente adequada a esse propósito.

Quanto mais as pessoas forem instruídas a pensar em termos de julgamentos moralizadores que implicam em algo errado ou mal, mais elas serão treinadas a consultar instâncias exteriores (as autoridades) para saber a definição do que constitui o certo, o errado, o bom e o mau.

Quando estamos em contato com nossos sentimentos e necessidades, nós, humanos, deixaremos de ser bons escravos, lacaios, servis, bajuladores.

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