ENTREVISTA: A Copel é nossa?

Engenheiro Sérgio Inácio conta como foi escrever obra

Foto: Assessoria Alep
Comunicação
21.OUT.2022

Mais do que conhecer um capítulo da história, o livro “A Copel é nossa” traz reflexões sobre a empresa de energia paranaense de ontem e de hoje e junto com ela, todas as demais empresas do setor energético. Nesta entrevista especial, Sérgio Inácio Gomes, que é engenheiro eletricista e foi diretor do Senge-PR, é dirigente do Sindiedutec e professor, conta porque, em sua visão, a luta contra a privatização talvez tenha sido o fato mais relevante de nossa história, pelo menos sob o ponto de vista acadêmico, moral e político dos movimentos sociais”. 

RelevO: O nome do seu livro é “A Copel é Nossa” e destaca uma vela. De onde partiu essa referência e com qual objetivo?

Sérgio Inácio: No início do mês de agosto de 2001, o Sindicato dos Engenheiros distribuiu 10 mil velas ao público em manifestações na Boca Maldita, iguais a essa da capa do livro. Era um ato simbólico para alertar a sociedade ao risco de apagões que adviriam da crise vigente, fruto das privatizações e da falta de investimentos adequados. Nas galerias da Assembleia Legislativa, o público presente portava velas acesas por ocasião da votação do primeiro e único projeto de lei de iniciativa popular de nossa história, o PLP 248/2001. Os meses seguintes foram marcados pelo maior racionamento de energia elétrica dos últimos 50 anos. Essa vela da capa do livro foi uma filha única, que ficou guardada numa gaveta, remanescente daquele importante ato simbólico da nossa campanha de alerta em 2001.

RelevO: Quando nasceu a ideia de escrever o livro e quanto tempo levou para reunir documentos e “colocar a mão na massa”?

Sérgio Inácio: Sempre tive a intenção de escrever o livro. Em 2005, eu comecei a escrever, mas meus relatos foram perdidos por um ataque de vírus, porém a intenção se manteve e retomei os relatos em 2021 diante da crise hídrica que o país enfrentava, sendo o Brasil, o vice-campeão mundial em tarifas altas. Meu objetivo com esse livro é resgatar muitas informações do processo de mobilização popular contra a venda da Copel, que não foram organizadas na forma de uma literatura para o próprio relato histórico daqueles acontecimentos.

Entrevista publicada na edição de outubro do RelevO

RelevO: O Sérgio Inácio que escreveu este livro é a mesma pessoa que participou das mobilizações contra a venda da Copel?

Sérgio Inácio: Sim. Essa obra é uma narrativa sob a ótica de quem foi participante ativo e testemunha ocular desses importantes momentos de nossa história. Com esse livro documentário fazemos o relato da mobilização pela resistência das entidades profissionais, articulados pelo Fórum Popular Contra a Venda da Copel juntamente com os diversos segmentos representativos da sociedade e dos movimentos sociais em geral. 

RelevO: Este é o seu primeiro livro? Ele tem uma característica de ser documental. Portanto, uma das exigências é lidar com a verdade dos fatos. Como ela aparece em meio as versões que você expõe? 

Sérgio Inácio: É o meu primeiro livro. Sem dúvida, nossa intenção é trabalhar com dados e fatos comprováveis, sem afirmações insustentáveis. Com esse objetivo o livro resgata a apresenta documentos da ocasião, publicações, planilhas, fotos, registros de diversas formas, bem como resgata e narra a sequência de fatos, reuniões, eventos e conversações, que ocorreram no âmbito da construção de grande consenso político que resultou num amplo entendimento popular de que a privatização da Copel traria um grande e irreparável prejuízo para todo o Estado do Paraná. 

RelevO: Você considera sua obra um material jornalístico e por quê?

Sérgio Inácio: Meu trabalho não é um material jornalístico. O material jornalístico normalmente supõe uma certa neutralidade em relação ao tema do qual reporta, enquanto meu relato é a narrativa de quem, além de ser participante, tem, como sempre teve, posicionamento bem definido sobre o processo de privatização de uma grande empresa. No livro, meu objetivo é despertar o interesse para mergulhar comigo num passeio histórico, cheio de emoções, apreensões e revelações, que são compartilhados com o leitor. 

RelevO: Em seu livro, qual é o público e quem não é seu público?

Sérgio Inácio: O público alvo são os estudantes. Não por outro motivo, o livro apresenta uma dedicatória inicial aos estudantes, pois foram esses os protagonistas simbólicos principais no processo de resistência contra a privatização da Copel. Para mim, estudantes, diferentemente de alunos, são dotados de muita “luz própria”, que quando encorajadas transformam sua lucidez em atitudes. Por outro lado, quem “não” é o público alvo desse livro: quem está satisfeito com seu nível de entendimento sobre o tema das privatizações e não está disposto a refletir sobre os fundamentos de suas convicções. 

RelevO: Além do registro histórico, “A Copel é Nossa” ainda aborda duas décadas da maior empresa do Paraná e as transformações no negócio. Por que você escolheu avaliar essa conjuntura?

Sérgio Inácio: A conjuntura atual do setor energético brasileiro, e a Copel não é exceção à regra, é caracterizada pelas tarifas de energia elétrica e dos combustíveis em geral situado em patamares estratosféricos insuportáveis pelo povo brasileiro e, voltados fundamentalmente à oferecer grandes e extraordinários lucros e dividendos aos “sócios” especuladores.

No caso da Copel, nominamos quais são os principais fundos de capitalização (quase todos americanos), que se apropriam de 70% dos benefícios econômicos da empresa com a distribuição de lucros e dividendos da companhia e isso precisa ser compreendido pelo povo paranaense e brasileiro. A Copel não é um caso único.

RelevO: Gostaria que você comentasse esse trecho de um poema de José Saramago: “privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos”.

Sérgio Inácio: É compreensível como um “desabafo” poético. Entendo que “a puta que os pariu” não será privatizada. Podemos ter certeza disso. As privatizações são receitas para os países do terceiro mundo, não do primeiro mundo. Os processos de privatizações é uma política emanada pelo chamado Consenso de Washington, que aconteceu em 1989 dentro de uma macro geopolítica energética, que é, poeticamente, a “puta” que o gerou com um objetivo único e que de forma geral, já foi satisfeito, qual seria o de se “apropriar” de grandes e importantes patrimônios públicos que foram construídos pelo povo brasileiro. 

RelevO: Por fim, por que as pessoas devem ter em sua biblioteca um exemplar de “A Copel é Nossa”?

Sérgio Inácio: Eu gostaria mesmo é de que as pessoas lessem, refletissem e compartilhassem essa bela história que foi construída pelo nosso povo, que precisa ser resgatada, compreendida, ensinada e articulada ao processo de construção de cidadania ativa. Precisamos questionar e refletir até que ponto, uma empresa criada por um povo, pela qual tantos lutaram no passado, é de verdade, hoje, pertencente a esse mesmo povo. A Copel que o diga.

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