Intervenção na Petrobras ou política de Estado?

Mercado (e imprensa rentista) querem impedir que governo controle lucros e preços nas refinarias

General Joaquim Silva e Luna presidente Bolsonaro. Foto Alan Santos/PR

Bolsonaro traiu o discurso de liberalidade na condução da economia. O que não é uma novidade. O panelaço veio a galope com a queda das ações da Petrobras e perda de R$ 75 bilhões em valor de mercado (na prática, nada do seu patrimônio). Diante da alta disparada dos combustíveis, o presidente interveio em nome do populismo e em desprestígio do rentismo. Mas a sua ação pode ser considerada intervencionismo ou política de Estado? Porque o dono – ou maior acionista – não pode controlar os rumos da empresa? Os preços de produtos e serviços que envolvem grande parte da população devem ser controlados ou flutuar para atender o interesse do lucro dos acionistas? Este é o debate que deve ser feito.

Por vias tortas, com a mudança da presidência da Petrobras,  Bolsonaro interrompe a política adotada pelo seu antecessor, Michel Temer, de conduzir a empresa de acordo com os interesses da Bolsa de Valores. É o que avalia o engenheiro civil e especialista em economia, Valter Fanini. Para ele, o Brasil vive uma contradição desde FHC, quando vendeu metade das ações da Petrobras na Bolsa. Em seguida, Lula equilibrou esse jogo e a ex-presidente Dilma Rousseff tentou aumentar o controle da empresa de olho no interesse público. 

“Temer mudou a política, focando no interesse dos acionistas. O resultado é que a gasolina dobrou de preço em cinco anos. O consumidor brasileiro não pode pagar um preço internacionalizado porque ele não tem o poder aquisitivo de um europeu ou norte americano. A renda aqui só tem caído. É uma contradição que tem que ser vencida. Para enfrentar esse debate, o Brasil precisa comprar ações e retomar o controle”, compara Fanini.

Para o mercado, a “não intervenção” deve ser traduzida para a população como “dependência” aos seus interesses. A autonomia na busca do lucro significa queda dos investimentos e aumento de tarifas. Ponto de vista que Otávio Licht, geólogo com mestrado e pós-doutorado UFRGS discorda frontalmente. Para ele, que é presidente do Núcleo Paraná da Sociedade Brasileira de Geologia, membro do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Geoquímica, “não faz o mínimo sentido explorar uma riqueza da nação, descoberta por uma empresa pública, e que é vendida internamente com os custos internacionais e submetida à soma das flutuações diárias das cotações do barril e do dólar”.

 Foto: Ricardo Stuckert/PR

Empresa pública a serviço do interesse privado?

Os engenheiros avaliam que a população não deve cair na “pegadinha da intervenção” rezada pelo mercado e pela mídia rentista e sim se preocupar com o interesse público. “A Petrobrás como empresa pública controlada pelo estado, é uma coisa. Infelizmente essa não existe mais, graças ao FHC e José Serra. Atualmente, como empresa de economia aberta com ações de pequenos, médios e grandes investidores, é outra situação bem diferente”, compara Licht.

Já Fanini coloca um ingrediente nessa fórmula. Ele avalia que uma empresa estatal é construída com dinheiro público para defender o interesse da população, da sociedade. Se é de interesse público, ela tem que ter ação do governo. Logo, não é intervencionismo. 

“Se ela existe para ser administrada, não faz sentido utilizar o termo intervenção. Ela é absurda em si. O estado tem que agir. Como o governo não pode intervir no que é dela? Quem tem ações da Petrobras não tem que reclamar. Ele sabe que os rumos da empresa acompanham a decisão política”, indica.

Em tese, complementa Fanini, “Bolsonaro está certo, mesmo que seja oportunista. A empresa tem que ser administrada de acordo com o interesse público. O erro está na estratégia. Por outro lado, o mercado e a mídia só veem o interesse dos acionistas, que é uma visão míope, pois isso afeta toda a economia do país, afeta o bolso da população”.

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 Governador Ratinho Junior cumprimenta presidente da Copel. Foto: Rodrigo Félix Leal

Independência só da responsabilidade social 

O que os acionistas privados não querem é que governos adotem políticas públicas em empresas que detém o monopólio de exploração ou de ações, como o caso da Sanepar e da Copel. Essas perderam valor de mercado recentemente por “intervenções” do Governo do Paraná. Na Sanepar, o reajuste da tarifa foi menor do que o previsto. Na Copel, o governo quer vender ações. Em ambos os casos, agências de empreendimentos rebaixaram as recomendações de “compra para venda”, o que fez as estatais perderem “valor de mercado”, o que não interfere em seus patrimônios brutos e líquidos.

A XP Investimentos, por exemplo,  disse durante a divulgação do relatório da Sanepar do quarto trimestre de 2020 que “a troca do reajuste foi arbitrária e autoritária por parte da Agepar, o que foi um retrocesso”.

Neste sentido, o debate é anterior ao intervencionismo. “Você não pode ter monopólio quando o objetivo é o lucro. Você está em uma situação incontornável, pois ter lucro e ter políticas públicas não casam. Ou a gente estabelece regime de mercado, tendo empresas atuando na concorrência ou se mantém o monopólio. O que não se pode ter é uma empresa pública com visão de mercado. Ela tem que ter visão de Estado”, pondera Fanini.

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